Futebol e Psicologia
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
A importância do Balneário. A chicotada psicológica. O grupo coeso. É preciso proteger a equipa. As estrelas da companhia. A pressão é importante. A pressão é demais. Não há pressão. É preciso pressão. O árbitro falhou. O árbitro acertou. O jogador não está bem. Paulo Bento tem condições. Paulo Bento não tem condições. Frases típicas quando discutimos ou vemos futebol. Mas será que estamos a ver mesmo o que achamos que estamos a ver quando assistimos a um jogo de futebol?
Há quem diga que se pode mudar de casa, de esposa, de carro, mas que não se muda de equipa de futebol. Até mesmo de religião se muda, mas se conseguisse com que um benfiquista se tornasse portista, eu ganharia certamente o Prémio Nobel da Psicologia, caso existisse.
A meu ver o futebol é uma demonstração do funcionamento grupal do ser humano. Antes haviam clãs, agora os clãs são as equipas de futebol. Antes havia guerras religiosas (bem, pelos vistos ainda hoje…) mas cada vez há mais guerras de adeptos de futebol. Todo o nosso funcionamento psicológico e social surge mais visivelmente quando se debate ou assiste a futebol (naqueles que gostam de futebol). Inclusivamente, se calhar é das actividades humanas onde erros de processamento cognitivo são mais facilmente identificáveis. Basta pensar a quantidade de vezes que chamamos “cego” ao árbitro. Será que ele não viu aquela “falta gravosa” ou será que nós é que vimos o que queríamos ver?
Imaginemos um cenário: Num Benfica-Porto, o Quaresma cai numa disputa de bola com o Rui Costa. Aposto o que quiserem que a maioria dos portistas vai gritar “falta!” e a maioria dos benfiquistas vai gritar “Fingiu! Amarelo!”. O acontecimento é o mesmo. Objectivo. Mas a questão é que provavelmente, mesmo depois das repetições em câmara lenta, a divergência na análise da situação vai manter-se. Num primeiro momento, chegamos a conclusões sem ter provas suficientes (afinal, a jogada foi tão rápida, que nem vimos bem) e as nossas crenças “o Quaresma atira-se sempre para o chão” ou “o Rui Costa não faz faltas” determina a nossa conclusão. Num segundo momento, depois da repetição, a divergência mantém-se. É que mesmo com provas (neste caso, e sendo eu portista, imaginemos que foi mesmo falta), o Benfiquista terá tendência para confirmar as suas expectativas. É que nós temos a tendência para ver nas situações aquilo que estamos à espera. No amor, uma pessoa insegura interpretará um sorriso de uma mulher como sendo de gozo. Uma pessoa segura interpretará como sendo um convite. E o sorriso é o mesmo. Nem sempre o que vemos é a realidade. Nós construímos a realidade de acordo com expectativas, aprendizagens, experiências passadas, crenças, desejos, medos.
Mas há mais no futebol: vamos aos melhores jogadores em campo ou aos piores em campo. Na Psicologia Cognitiva há uma coisa chamada “Abstracção Selectiva”. Trata-se de nos concentrarmos num pormenor, esquecendo o conjunto da situação. Por exemplo: O Lucho Gonzalez faz um péssimo jogo. Perde a bola, falha passes constantemente. Mas eis que , nos últimos 10 minutos, marca 2 golos de “bonito efeito” como dizem os comentadores. A probabilidade de nos concentrarmos nesses 10 minutos esquecendo os restantes 80 é grande. De pior jogador, pode passar facilmente a melhor jogador. A mesma coisa pode acontecer ao contrário: O Luisão faz um jogo irrepreensível, mas foi ele que perdeu a bola nas duas vezes em que o Lucho marcou. Facilmente passa de herói a besta.
Este tipo de coisas pode acontecer a árbitros. Um árbitro pode fazer sobregeneralizações: percebeu que um jogador atirou-se ao chão de propósito e então interpreta cada queda desse jogador como sendo teatro, mesmo que não o seja. A partir de um acontecimento, generaliza aos outros. O mesmo pode acontecer a jogadores, que falham um penalti e depois acham que irão falhar sempre os penaltis.
Como se vê, há muito de psicologia no futebol, dentro e fora de campo. Até mesmo nas perguntas dos jornalistas: Ao perguntarem insistentemente se o Paulo Bento tem condições para continuar, estão a dizer que acham que não tem. Se ele for despedido, confirmarão as suas expectativas. Se não for, racionalizarão de outra forma, explicando a permanência duma outra forma, não necessariamente relacionada com as condições iniciais…
Publicada porVictor Silva à(s) 19:18
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