PsicoAstrólogos e afins
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
É uma tendência preocupante e, na minha opinião, perigosa para as pessoas que servimos. Cada vez se encontram mais psicólogos (serão mesmo?) que afirmam utilizar a Astrologia como ferramenta de diagnóstico. Outros abraçam acriticamente, como se de grande saltos paradigmáticos se tratasse, coisas como Crianças Índigo, auras, terapias de vidas passadas e outras irracionalidades.
A Psicologia é uma ciência social, jovem. Mas isso não quer dizer que não tenhamos intervenções e formas de trabalhar validadas cientificamente, comprovadas. Mais que do que isso, ao nível da psicoterapia, sabemos inclusivamente que vários factores influenciam o resultado da intervenção, nomeadamente o estilo pessoal do terapeuta e a qualidade da Aliança Terapêutica. E trabalhamos com isso. Afinal, enquanto psicólogo, gosto de me ver enquanto um profissional da relação. Mas um profissional que utiliza técnicas validadas, prepara previamente a intervenção, realiza uma avaliação do cliente que tem à frente – que é sempre sujeita a alteração no decorrer da intervenção – e adequa o que faz não só ao problema apresentado por quem me procura, mas também às próprias características da personalidade dessa pessoa. Tudo isto recorrendo ao conhecimento científico que a minha ciência tem produzido, tem provado ser eficaz e explica satisfatoriamente o funcionamento humano.
Assumo-me, enquanto profissional, numa perspectiva construtivista-desenvolvimental. Mas atenção que sou um construtivista crítico. Existe uma realidade externa a nós, embora a construamos e a vejamos de acordo com a nossa história de vida. Daí também a importância do desenvolvimentalismo, no sentido de perceber como aquela pessoa construiu a visão do mundo, de si próprio e dos outros ao longo da sua história de vida, naturalmente prestando muita atenção aos estilos de vinculação que o cliente apresenta e como estes foram desenvolvidos.
Faço este parêntesis mais teórico para chegar a outro ponto: Os exageros do pós-modernismo, onde por exemplo, incluo o construtivismo radical. Uma coisa é dizer que construímos a realidade, outra é dizer que não há realidade. Uma coisa é dizer que a Aliança Terapêutica é fundamental num processo de consulta psicólogica, outra é dizer que isso é suficiente. Basta pensarmos que para criar uma boa relação temos de perceber como funciona o cliente – o que nos remete para o estudo das dimensões da personalidade – para chegarmos à conclusão de que precisamos, e devemos utilizar, o conhecimento científico que foi desenvolvido nesta área. Consulta Psicólogica não é uma conversa de amigos (também há relação nesta) é uma conversa que tem objectivos e é feita de acordo com esses objectivos.
Do ponto de vista das técnicas que utilizo, sou eclético (ou integrador, se quiserem) subordinando-as à metateoria assumida, em que pretendo promover o desenvolvimento da pessoa que tenho à minha frente, num trabalho de reconstrução de significados não viáveis ou que não permitem a adaptação a novas circunstâncias de vida. O Ecletismo ainda é uma palavra perigosa. Com alguma razão, pois por vezes cai-se no “tudo vale”, em intervenções desconjuntadas sem uma linha de rumo. Mas assumo-me enquanto tal, porque acho que, a bem das pessoas que sirvo e das quais recebo pagamento pelos serviços, devo utilizar o que de melhor tenho à minha disposição. E se uma intervenção/técnica é comprovadamente útil e recomendada para determinado problema utilizo-a, sempre num contexto em que faça sentido para o cliente. É que também existem colegas que caem na passagem de técnicas, como há quem caia na passagem de testes. São instrumentos, não um fim em si mesmos.
Tudo isto para explicar porque é que a ciência é importante e como esta não é contra os interesses dos psicólogos, mas sim a favor deles – enquanto profissão que pode responder ao que lhe é pedido – mas também a favor dos clientes, que procuram ajuda para viver melhor. Não andamos a vender aspiradores porta a porta, onde tudo vale para convencer alguém a comprar. Lidamos com pessoas. E devemos, nem que seja por razões de consciência, utilizar coisas que funcionam, não coisas que podem até prejudicar a pessoa.
Vamos então à Astrologia. Não vou explanar aqui exaustivamente as razões porque NÃO é uma ciência (talvez fique para um próximo artigo). Basta dizer que nunca foi comprovada empiricamente, que o próprio modelo cosmológico de influência dos astros está ultrapassadíssima – há mais planetas, não contempla, por exemplo, outros objectos como meteoros ou cometas, etc. No contexto da descrição das supostas personalidades deste ou daquele signo, é também fácil perceber, desde que se esteja atento, que através de uma boa utilização discursiva, para cada característica existe também o seu oposto – por exemplo, que a pessoa de tal signo é “amiga dos outros, dada e gosta de se relacionar” mas também que é “senhora do seu nariz e muito cuidadosa nos amigos que escolhe”. Em que ficamos? É senhora do nariz ou é dada? Relaciona-se com todos ou só com quem passa o seu crivo de exigência? Façam o exercício com os vossos signos e vejam o que corresponde. E, de resto, temos a tendência para validar os acertos e esquecer os tiros ao lado. Bem como para, a partir de uma informação generalista, que encaixa em qualquer pessoa, vermos as nossas características.
Quais são então os riscos? Já vimos que a Astrologia não tem validade. Mas não será só uma brincadeira? Bem, se a virmos como brincadeira, tudo bem. Também é verdade que devemos respeitar as crenças das pessoas (se bem que por vezes tenha dificuldade com esta asserção – deverei respeitar a crença de que as pessoas de cor são menos inteligentes?). Uma coisa completamente diferente é utilizar a Astrologia enquanto instrumento de avaliação ou intervenção. Já repararam que, ao fazer uma análise de personalidade baseada na astrologia, estarão provavelmente a colocar o controlo dos actos, pensamentos, formas de ser e estar numa coisa fora do cliente? Em estrelas e planetas? Isto ajuda em alguma coisa a auto-determinação da pessoa? Dá-lhe poder sobre a sua vida? Fa-la-á esforçar-se e trabalhar para modificar as coisas ou entrar num discurso redondo de “tudo depende do mapa astral” ou dos ascendentes ou…
A resposta típica é que a Astrologia “dá tendências”. Muito bem, a psicologia também prevê tendências de funcionamento. Mas há uma diferença: A Astrologia não tem base científica! A Psicologia sim. Não conheço estudos sérios de astrólogos, conheço imensos de psicólogos. Porque existirão psicólogos (ou melhor, licenciados em psicologia) que usam estas coisas? Prefiro pensar que se tratam de crenças da pessoa, no lugar de pensar que é apenas uma estratégia comercial. Mas mesmo assim, isso, para mim, é impingir uma crença pessoal noutra pessoa. Isso não é, de todo, Psicologia. Se fossemos por esse caminho, eu, que hipoteticamente seria Hindu, também estaria legitimado a impingir a minha crença religiosa num cliente católico. Não é isso que fazemos, isso não é Psicologia.
Psicologia é auxiliar as pessoas que nos procuram, utilizando técnicas, modelos de intervenção validados. Estudados exaustivamente, com estudos em que há um grupo de controle, replicados. Com estudos de caso devidamente desenhados e avaliados. Não é recorrer a irracionalidade (lembram-se das crenças irracionais e pensamentos automáticos dos cognitivistas?) que nunca foram provadas seja de que forma seja e que, mais que isso, podem ter resultados catastróficos no bem estar de uma pessoa. Quando vão ao médico preferem que este vos dê um medicamento que foi estudado ou que ele aconselhe que bebam água que foi energizada pelos astros? É a mesma coisa.
Se por acaso quem me lê é uma pessoa à procura de ajuda psicológica, lembre-se de que tem o direito de perguntar como trabalha o psicólogo a quem vai recorrer, se o modelo que segue tem validade. Pode também indagar sobre a formação que o técnico tem e onde a adquiriu. Desconfie se lhe falarem de astrologia (se é isso que procura, mais vale ir ao astrólogo), crianças índigo, vidas passadas e coisas que tal.
P.S.- As outras irracionalidades ficam para outros artigos.
Publicada porVictor Silva à(s) 18:27
Etiquetas: Artigos Portal dos Psicólogos (www.psicologia.com.pt), cepticismo
Sou estudante de Psicologia e, infelizmente, mesmo no curso me deparo com crenças do senso comum que a ciência já derrubou e com conceitos não aceitos cientificamente.
Talvez o pior momento tenha sido assistir ao filme "Quem somos nós?" que faz uso mais do que inapropriado de teorias da física moderna para explicar os devaneios de uma mulher que só pode ser louca ou estar agindo de má-fé.
Ainda bem que sempre podemos recorrer a vasta bibliografia, incluindo bons livros e artigos brilhantes, para refutar tais idéias.
A Psicologia enquanto ciência ainda é muito nova e ainda está respondendo as suas questões iniciais. O uso de instrumentos como a astrologia por psicólogos é um verdadeiro afronte à classe e aos clientes que procuram o profissional em busca de auxílio... Um auxílio que, quando bem realizado, pode provocar mudanças profundamente positivas na vida de uma pessoa.
É gratificante encontrar um texto como este, que acabei de ler, denunciando e esclarecendo tais práticas.
Compreendo a preocupação pela tendência crescente de pessoas que utilizam terapias não testadas pelos meios convencionais.
De facto é um risco para as pessoas que baseadas numa fé buscam essas terapias para obter qualquer tipo de ajuda. Poderão sair iludidas, mais confusas e de bolsos mais vazios.
Contudo, também há esse risco para as pessoas que baseadas na razão buscam terapias testadas pelos meios convencionais, mas mal utilizadas ou sem aplicação ao seu caso específico.
A diferença está na forma de teste entre estas duas abordagens.
As terapias convencionais implicam lógica racional, cálculos matemáticos, estatísticas que provem relações significantes.
As terapias não convencionais implicam símbolos, interpretações criativas, ligações emocionais que provoquem reacções significantes.
Tentando fazer um paralelo para ilustrar o que tento explicar, é como o artista que toca uma bela música a partir da uma pauta metodicamente elaborada e aquele que toca também uma bela música ao ritmo do inesperado improviso.
Sinceramente acho que ambas as abordagens podem ser muito úteis.
O nosso cérebro tem dois hemisférios, e pelo que dizem aproveitamos muito pouco do seu potencial.
Acho que eliminar à partida às terapias não convencionais porque não seguem a lógica não é um argumento sequer lógico, porque acho que é necessário reconhecer a nossa limitação cognitiva actual.
Ainda conhecemos muito pouco do nosso cérebro e do seu funcionamento e do que lhe faz bem ou mal.
Por isso, entre astrologia ou psiquiatria, seja aquela que for de acordo com a vontade e interesse do paciente, pois essa motivação é a principal arma no caminho de qualquer objectivo que uma pessoa se proponha a realizar.
Claro que haverá uns mais afectos ao lado racional, organizado e lógico e outros mais afectos ao lado emocional, caótico e irreverente.