Ian Curtis: Prazeres (Des)Conhecidos

Está nos cinemas o filme “Control” de Anton Corbijn, uma “biopic” de Ian Curtis, o vocalista dos famosos Joy Division. A preto a branco, na minha humilde opinião brilhantemente filmado, o filme foi para mim mais que o relembrar a vida de um dos ídolos da minha adolescência, cuja música há muito não ouvia. Foi também o início de uma viagem por outras músicas, pelo passado, com o regresso ao presente sonorizado por bandas de sempre.

Comecemos pelo filme. É ele que dá o mote. Descreve a vida, duma forma digna, de um mito, como muitos músicos se tornam quando morrem, de seu nome Ian Curtis. Com o brilho só possível pela ausência da cor, sem artifícios à rock’n’roll típicas de filmes sobre estrelas da música, Anton Corbijn dá-nos um retrato sóbrio duma época, duma pessoa que o acaso (ou não) tornou uma das grandes figuras da cultura pop do século XX.
O preto e branco da fotografia coloca-nos mais perto – nem de propósito um dos discos dos Joy Division chama-se “Closer” – duma certa Manchester escura, depressiva. Duma vida rotineira, em que apenas a música fez um vulgar empregado de um centro de emprego escapar a uma vida como qualquer outra, de casamento e filhos. Música que o levou ao mito, mas também, talvez, ao suicídio.
As imagens, a forma como está filmado, captura – diria eu na perfeição – um ser torturado e dividido entre a esposa, a filha, a amante, a música. Captura a própria escuridão interior do protagonista que se revela nos céus nublados, noites frias e paredes escurecidas dos edifícios da cidade, sempre presente em plano de fundo.
Depois, a libertação dos fantasmas através da arte, da música e das letras. Belíssima, por tão simples e tão cheia de significado, a sequência em que discute com a mulher e começa a escrever num caderno as letras de “She’s lost Control”. Até essa libertação, a música, se tornar em si mesma uma prisão, com a ajuda da doença de que padecia. Aqui a deformação profissional leva-me a pensar que não era só de epilepsia que o Ian Curtis sofria. Mas também não devemos psicologizar tudo. O facto é que, e neste caso não há risco de estragar o filme contando o fim, Ian Curtis põe termo à sua vida, nas vésperas de iniciar uma digressão pelos EUA. Neste filme o que interessa não é o fim, é o próprio filme e a forma como está construído.
A sequências de concertos levaram-me, inevitavelmente, a trautear músicas há muito não ouvidas. “Transmission”; “She’s lost control” e principalmente “Dead Souls”. Do filme para a música, ou como um filme nos coloca mais perto da emoção da música. A bateria, o baixo, o inicio de “Dead Souls” ressoaram na minha cabeça duma forma inesperada. Instantâneo regresso a outros tempos, e também a outras músicas – duma altura em que não havia Internet, e-mule, torrents e coisas que tais. Duma altura em que se faziam grandes descobertas auditivas. Alguns se lembrarão da primeira vez que ouviram uma determinada música. Eu lembro-me, como se fosse hoje, de um amigo me trazer um CD dos Smiths e eu ficar completamente estarrecido, deleitado mesmo, com “There’s a light that never goes out”; com uma cassete já muito gasta do álbum póstumo dos Doors, “An American Prayer”, emprestada com ameaças de morte no caso da mesma se estragar por alguma razão, gravada a partir de um vinil também ele muito gasto (ainda não tinha chegado a época das reedições ad nauseum de hoje…) Eram objectos valiosos, essas cassetes que se emprestavam, gravavam. Hoje trocam-se CDRs. O acesso à música é muito mais fácil. Espero que a emoção da descoberta se mantenha.
O tom destas experiências e lembranças que se iniciam numa sala de cinema (ainda por cima silenciosa e sem barulhos de pipocas a serem devoradas) acabaram por dominar o resto dessa noite. Num bar ali perto dos Clérigos, escuro como eram os bares da minha adolescência, a “cheirar” àquele espírito “indie” de que tanto gostava, outras músicas surgiram. E, nem de propósito, depois de ter visto “Control”, ter-me lembrado de “Unknown Pleasures” e “Closer” (discos dos Joy Division) ouvi “Close to me”, uma daquelas músicas inesquecíveis dos The Cure. Mais uma para o cardápio de recordações quentes e aconchegantes, como quando olhamos nos olhos de uma mulher e parece que lhe descobrimos a alma.
As notas do baixo a surgirem, novamente o deleite auditivo, mental, no preciso momento em que me apercebi que estava a viver, no presente, mais um momento marcante. Um momento que recordarei mais facilmente um dia mais tarde, talvez depois de ter ido ao cinema, porque estava sonorizado com musicas de ontem que são de hoje e serão certamente de amanhã.
Músicas intemporais que nos colocam “Closer” de nós próprios…Ou “Close to me”. E nos revelam “Unknown Pleasures”. E pensar que às vezes nos esquecemos que elas existem…

Publicada porVictor Silva à(s) 18:02  

1 comentários:

Anónimo disse... 22 de setembro de 2008 às 16:01  

Excelente post, muito bom o filme (a atuação inclusive), ótimos cds, que me marcaram profundamente. Descobri Joy Division quando estava em depressão, e desde então tem sido como uma terapia.

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