O poder de um telemóvel

Se não houvessem telemóveis, a triste cena no Carolina Michaelis não teria acontecido. A aluna não teria ficado destroçada pela apreensão do seu, o vídeo não teria chegado ao You tube e daí à comunicação social. Malditos telemóveis…Ou o telemóvel é apenas um pormenor?


Neste caso específico, o telemóvel é mais que um pormenor, dada a sua capacidade actual de registar vídeo. Se o aluno não tivesse gravado aquela triste cena, eu hoje estaria a escrever sobre outra coisa qualquer. A questão é que, ao que parece, cenas daquelas acontecem todos os dias. Esta em particular só se tornou digna de registo porque havia alguma coisa para ver.
Uma foto vale mais que mil palavras. Um vídeo feito com telemóvel vale muitas mais palavras, escritas e ditas. Vale muitos minutos de prime-time televisivo.
A questão da indisciplina nas salas de aula é um problema multidimensional. Não passa só pelas características do docente (mais ou menos permissivo, mais ou menos experiente), pelas características dos alunos, pelas características da vida moderna (que até inventou telefones que cabem num bolso das calças), pelas características da própria escola (parecendo que não, as condições mais ou menos agradáveis de uma sala de aulas podem potenciar a distracção e comportamentos disruptivos), os estilos educativos dos pais dos alunos (ou pura e simplesmente a ausência destes) e, só para referir mais uma dimensão, a adequação dos programas e das disciplinas às necessidades e aos interesses dos alunos.
Não nos façamos paladinos da moral e do bom comportamento nas salas de aulas. Eu assumo ter, por exemplo, mascado pastilhas elásticas nas aulas, quando isso ainda era um crime de lesa pátria e sinal de falta de educação. Não sei se o fazia por desafio, sei que por falta de educação dos meus pais não era, talvez fosse porque gostava dos “gorilas” de boa memória. Isto para dizer que a indisciplina na sala de aula há-de sempre existir, apenas mudam alguns dos artefactos que servem de “culpado”, de coisa interdita (uma pastilha elástica ou um telemóvel). É que quando há uma proibição, a tendência natural é a revolta contra essa proibição. São proibidos os telemóveis? “Agora é que vou usá-lo na sala!” pensará o adolescente. Se os interditos forem objecto de discussão e negociação (o quanto baste, claro, que há uma hierarquia a obedecer e não estamos num plenário do PREC), algumas destas situações podem ser atenuadas.
Também têm mudado, pela negativa, o grau de intensidade da indisciplina e as consequências destas. Seria impensável para mim não obedecer a uma ordem de um professor. Se o fizesse, seria sujeito a “julgamento” pelos meus pais. Se eu fosse a aluna deste caso, nunca mais punha a vista em cima ao meu telemóvel…na melhor das hipóteses.
Para além disso, é preciso não esquecer os efeitos que estas situações têm nos professores. A profissão é de si difícil. Ter de ensinar a turmas com dezenas de alunos, em plena explosão das hormonas é difícil. Com telemóveis ainda mais. Com alunos de origens muito diferentes, pior ainda. A massificação do ensino foi uma coisa boa, à priori. Mas também trouxe problemas novos. Um professor sujeito a este tipo de pressão hora após hora, dia após dia, maltratado por baixo (os alunos) e por cima (quem neles manda) pode desenvolver o que chamamos “burn out” ou seja ficar “queimado” pelo trabalho. Pode desenvolver perturbações ansiosas e depressivas. Desmotivar-se. Faltar. Ser professor, hoje em dia, é uma profissão de risco psicológico. É necessário repensar a politica de disciplina nas escolas, conjugar o diálogo com a autoridade, apoiar os professores e os alunos com dificuldades de vária ordem. Isto não vai lá com fascismos na escola, mas também não vai lá com este “laissez faire” generalizado.

Publicada porVictor Silva à(s) 19:02  

3 comentários:

Anónimo disse... 26 de março de 2008 às 01:43  

se não houvessem telemóveis????

e se não houvessem blogs, os psicólogos nunca poderiam comentar estes casos e promover a reflexão dos leitores.

Não adianta dizer.. se não houvessem.. porque eles existem e fazem parte do dia-a-dia dos estudantes... e dos professores... e dos psicólogos :) O importante é que as escolas aprendam a incorporar as novas ferramentas, que fazem parte da nova geração. Algumas escolas nos EUA já incorporaram ipods, telemóveis e blogs. Actualmente as tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas de aprendizagem. E o que aconteceu naquela sala de aula poderá ter sido despoletado pelo telemóvel, mas a forma como aquela rapariga gritou revela que existe muito para dizer... os gritos são utilizados porque já ninguém a ouve no seu tom de voz normal. É nisso que ninguém pensa...

Victor Silva disse... 26 de março de 2008 às 18:47  

Podia ter sido um telemovel, uma pastilha elástica, um ipod...
claro que existe muito mais para além do objecto que despoleta a situação.
obrigado pelo comentário

Anónimo disse... 19 de abril de 2008 às 12:01  

Considero que foi mesmo ao fundo da questão, analisando com imparcialidade e em várias perspectivas. Concordo em absoluto.
Mas acredito muito nos nossos miúdos. Desde sempre ouvi dizer mal da juventude , e tem graça que os maiores "piratas" da minha juventude são os primeiros a dizer mal desta. Vejo que a escola não mudou absolutamente nada, tendo em conta a evolução dos tempos, sempre houve e haverá respeito, mas também abusos de parte a parte.
Só tenho pena de não existir telemóveis no meu tempo para comprovar o que digo.

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