Salas de Chuto
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
A criação de salas de injecção assistida / Salas de consumo vigiado, só por si, é uma boa medida. A sua integração em planos territoriais com a prevenção primária, o tratamento e outras intervenções na área das drogas, isso sim, é uma excelente medida.
Muito se tem falado, nos últimos dias, de salas de injecção assistida – ou salas de consumo vigiado, terminologia adoptada no Plano de Acção Horizonte 2008 do Instituto da Droga e Toxicodependência (disponível em www.drogas.pt) - vulgo “Salas de Chuto”. O tema é importante, e abordá-lo-ei mais especificamente. Contudo, parece-me que o mais importante tem ficado um pouco “soterrado” por esta coisa de agora criar sítios onde os toxicodependentes se possam injectar “à vontade” como diria uma cidadão comum: A ideia de planos territoriais de intervenção, onde todas as áreas (Prevenção, tratamento, redução e minimização de danos e riscos), após avaliação do que é preciso fazer, trabalham em conjunto, chamando e ouvindo a comunidade, para “atacar” o uso e abuso de drogas. Utilizando uma metáfora bélica – os tempos são propícios a isso – passamos de uma “guerra” em que a força aérea, o exército e a marinha cada um definia os seus objectivos estratégicos, quase independentemente e com pouca comunicação com as outras forças em acção, para uma guerra onde se pretende que as três forças definam em conjunto a intervenção a efectuar, após analisar o território, comunicando constantemente entre si. Pode parecer simples e lógico, mas é uma mudança positiva no que à “Luta contra a Droga” diz respeito e que é assumida no referido Plano de Acção Horizonte 2008. A integração de serviços de minimização de danos como as salas de injecção assistida nesta nova filosofia é, para mim, um passo de gigante nesta área, dada a população que pretende servir. Vamos lá então à “Vaca Fria”: As “salas de chuto”.
Salas de Injecção Assistida / Salas de Consumo Vigiado
Basta circular por qualquer grande cidade, para nos apercebermos que as “salas de chuto” já existem. Só não são salas, são a céu aberto, não têm o mínimo de condições sanitárias, são um perigo de saúde pública, são degradantes e contribuem para a degradação de seres humanos, que não deixam de o ser por serem toxicodependentes. Sim, estou a referir-me às zonas degradadas e empobrecidas onde o consumo é feito à vista de todos – isto para não falar em jardins e sítios semelhantes. O problema existe, e é preciso atacá-lo, de uma forma pragmática. Estamos aqui a falar de diminuir os danos que o consumo de drogas injectáveis provoca em pessoas que são – a OMS assim os define – doentes. E também de proteger a saúde pública.
Com a criação destas estruturas, estas pessoas, mais do que injectarem-se – a visão terrífica de uma seringa espetada num braço por vezes tolda-nos o raciocínio – terão acesso a serviços de saúde a que, de outro modo, provavelmente não recorreriam. É humano, é necessário. Por eles, que estão muitas vezes já muito degradados e portadores de diversas doenças graves; por nós, público em geral. Uma pessoa com tuberculose, toxicodependente de “rua”, certamente terá muita dificuldade em cumprir um tratamento nas condições actuais. Tendo um sítio onde consumir com mais segurança e com técnicos de saúde, talvez cumpra o tratamento, talvez crie uma boa relação com eles, talvez decida tratar a sua dependência, talvez não partilhe seringas, talvez não contagie outras pessoas com a sua tuberculose (por exemplo) tão facilmente.
Vejo as salas de chuto como uma porta de entrada para o sistema de tratamento da toxicodependência e outras doenças (HIV; tuberculose; hepatites, etc) para uma população muito carenciada que não recorre, não tem meios ou tem até dificuldade a aceder aos serviços de saúde. Daí a importância que dou aos planos integrados: passa pela sala de chuto, pode acabar num centro de tratamento. Vem da rua para perto de técnicos de saúde. Podem até vir do inferno – e é um inferno o que estas pessoas vivem – para uma vida “normal”.
É preciso não esquecer – e seria injusto fazê-lo – que existem já equipas de rua, que contactam com esta população e têm tido um trabalho muito importante e válido, por vezes em condições de trabalho muito difíceis e perigosas. As salas de chuto vêm complementar este trabalho, maximizando-o.
Muitos mais argumentos poderiam ser expostos, mas termino com duas ideias:
- Uma coisa é a minimização de danos, outra o tratamento. A primeira pode levar ao segundo. A primeira pode proteger quem consome drogas da forma como o faz actualmente e pode também proteger outros cidadãos.
- A próxima vez que olhar para uma berma de estrada e ver uma pessoa agachada a injectar-se, pense se prefere que ele faça aquilo ali, ou num sítio com um mínimo de dignidade. A próxima vez que ver um toxicodependente a tossir na rua, pense se prefere que ele continue no bairro sem apoio médico ou num sítio onde pode vir a ter esse apoio.
Pense nele e pense em si.
Publicada porVictor Silva à(s) 15:55
Etiquetas: Artigos Portugal Diário (www.portugaldiario.iol.pt), drogas
Focou pontos muito importantes da questão e fiquei agradada de se lembrar do trabalho que as Equipas de Rua desenvolvem.
Sem dúvida que, com a criação de salas de consumo assistido, todos ficariamos a ganhar: as Equipas de RRMD porque finalmente têm como diminuir ainda mais os riscos associados ao consumo de drogas, os UD's porque é-lhes garantido uma série de condições cruciais para consumirem com menor risco, e a saúde pública porque talvez diminuam as seringas espalhadas...
No entanto, gostaria só de acrescentar algumas ideias, em nome dos UD's com quem trabalho:
- Na hora de pensarem nas salas de chuto, por favor não esqueçam de (re)pensar o material de injecção actualmente distribuido. As caricas são muito leves e viram facilmente, o àcido cítrico está a demonstrar ser mais um problema do que uma vantagem, continuam a faltar os garrotes e uma caixa adequada para guardar o material de injecção (mesmo com as salas de chuto, não devemos cair na pretensão que o individuo criará uma fidelização com o espaço, continuarão a existir consumos fora destes locais e o material utilizado para trocar deve ser transportado em segurança)
- Não deixem cair no esquecimento aqueles que consomem via fumada, que continuam a não ter disponível nem material nem espaços próprios (algumas equipas de rua trocam pratas, mas sabemos que isto não é suficiente)
Tratam-se de meras sugestões, nascidas de quem está no terreno...
MC
Educadora Social