A farsa dos produtos “Naturais”

É o poder das palavras. Quem já não ouviu da boca de alguém “é um produto natural, não faz mal”. A questão é que os produtos “naturais” podem não ser inóquos. Podem nem ter benefício algum para a saúde, para a pele, seja para o que for. Podem ter benefícios somente para quem os comercializa.

Nem todos os produtos nascem iguais. Isto para dizer que existem produtos, alguns vendidos como medicamentos (embora não se denominando como tal) cuja eficácia no tratamento dos problemas ou benefícios que são afirmados na publicidade não estão provados. Uns serão inócuos, não fazendo nem bem nem mal, outros poderão não ser assim tão inócuos como isso.
Um médico especialista em heptotoxicidade alertou para o facto de os suplementos alimentares poderem provocar danos no fígado. Ao que parece existem fortes suspeitas da relação entre a utilização de um produto chamado Depuralina e o aparecimento de episódios tóxicos graves, como choques anafilacticos.
É o poder de uma palavra. É natural não faz mal. Pois também o tabaco é uma planta natural. Muitas drogas também. O problema é quando se põem à venda produtos que, a coberto de uma legislação mais permissiva já que não são medicamentos, não foram estudados suficientemente.
Qualquer medicamento digno desse nome passa por anos de investigação. Daí também o grande investimento financeiro que é feito no desenvolvimento de um novo medicamento e o tempo que leva desde as fases inicias de investigação até à sua comercialização. São feitos estudos para ver se o medicamento faz o que se deseja. Para ver quais os eventuais efeitos secundários. Para determinar a dosagem adequada, que faça efeito mas que de caminho não dê cabo do paciente. Fazem-se estudos com grupos de controle, de preferência duplamente cegos. Trocado por miúdos, estes estudos são feitos com dois grupos de pessoas, com as mesmas características. A um grupo é-lhes dado o medicamento. A outro é-lhes dado um placebo, ou seja, uma pastilha que não tem nada lá dentro (bem, isto não é bem assim, tipicamente dão-se comprimidos de farinha ou de qualquer outra coisa inóqua). Os dois grupos não sabem se estão a tomar o medicamento ou não. Para além disso, e para a experiência ser ainda mais rígida e evitar falseamentos propositados ou não, os técnicos que dão os medicamentos e tratam os dados da investigação também não sabem quem é que está realmente a tomar o medicamento.
Desta forma, controla-se o efeito placebo, ou seja, um efeito psicológico bem conhecido e que consiste, muito resumidamente, em acreditar que o que se está a tomar vai fazer bem e a pessoa sente-se realmente melhor. Não pelo que tomou, mas pela crença no que tomou. Este efeito é tão poderoso, que, por exemplo, se uma pessoa acreditar que está a tomar cocaína quando o que está a tomar é pó talco, vai sentir os efeitos da droga.
Se o grupo que tomou o medicamente verdadeiro melhorar mais e de forma estatisticamente significativa, sem se dever ao acaso, do que o grupo de controle (o que tomou o placebo) chegamos à conclusão que aquele medicamento funciona. Se não acontecer isso, conclui-se que o medicamente afinal não faz o que se pensava.
No caso dos produtos “naturais” e exceptuando casos em que os princípios activos destes realmente têm efeito (por exemplo, cápsulas de produtos de energia que mais não são que doses concentradas de cafeína ou outros estimulantes) o efeito placebo pode explicar as melhorias sentidas.
Para além do efeito placebo, há que ter em conta que muitas doenças não têm um curso linear, ou seja, há alturas em que os sintomas desta diminuem. Outras passam, aí sim, naturalmente (iriam desaparecer mesmo sem medicação). Se a pessoa tiver tomado produtos “naturais” vai associar a melhoria ao produto xpto. Daí ouvir-se tantas vezes que estes produtos têm efeitos, porque “eu melhorei”.
Uma coisa completamente diferente é saber que a melhoria se deve ao principio activo da substância. Saber porque é que o principio activo funciona e que riscos pode ter. E isso só se sabe com investigação séria.
Estes produtos muitas vezes não são sujeitos ao crivo científico dos medicamentos, daí o se ir descobrindo, às vezes tarde demais, que afinal o produto “natural” contribuiu para mais problemas do que para soluções.
Nos medicamentos, apesar de toda a investigação, surgem efeitos indesejáveis. Basta falar na talidomida. A ciência não está isenta de erro. A diferença é que a ciência e a sua metodologia procura e tenta controlar possíveis efeitos nefastos. Por isso é que tantos medicamentos promissores são abandonados por se descobrir que têm riscos inaceitáveis.
Na minha opinião, os produtos “naturais” devem ser sujeitos a estudos adequados. E atenção ao discurso quase médico que acompanha muitos rótulos. Eu posso inventar um líquido, que tem minerais, cuja ingestão faz bem à pele e hidrata, devido aos seus átomos de hidrogénio e oxigénio em grande quantidade.... Basta-me juntar açúcar qb a água e vende-la com um nome pomposo. No mínimo dos mínimos, deparamo-nos, nas prateleiras dos supermercados, com publicidade enganosa. Quando se fazem afirmações há que prová-las. E o consumidor deve estar não só mais atento ao que compra como exigir provas do que lhe afirmam.

Publicada porVictor Silva à(s) 16:22  

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