Praxes Académicas
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
Como todos os anos, ao iniciarem-se as aulas na Universidade, assistimos durante estas semanas a actividades de praxes académicas. Com bom gosto, muitas vezes sem gosto nenhum, com respeito, algumas vezes a roçar o crime, as praxes académicas são como tudo: Positivas ou extremamente negativas. Depende de quem e como se fazem.
Antes de mais, convém fazer uma distinção entre Praxe Académica e rituais de iniciação abusivos e criminosos. Nem tudo é Praxe Académica. Praxe é cantarolar o hino da Universidade. Ritual estúpido e criminoso é abusar física e psicologicamente dos “Caloiros”. Praxe pode ser partilha. Praxe não é, certamente, abusar de um suposto poder que origina na antiguidade (e que tem, na sua essência, o insucesso académico dos mais velhos).
Mesmo a Praxe Académica, bem-feita e com objectivos positivos, enferma de contradições: Ninguém é obrigado a ser praxado, contudo, há uma pressão implícita (por vezes explicita) para aceitar ser praxado – com 18 anos, muitas vezes numa cidade nova, num contexto novo, é difícil não alinhar com a maioria…
Muito se pode argumentar contra ou a favor da praxe académica. Alguns pontos essenciais contra:
- Parece ser uma organização pouco ou nada democrática
- Tem como conceitos básicos a transmissão de valores que por vezes podem ser discutíveis – como a obediência aos mais velhos, só porque o são
- Na maior parte dos casos, não está regulamentada, o que dá azo a exageros
- Por vezes passa pela humilhação de quem, sendo novo num contexto novo, está mais fragilizado.
- Pode induzir consumos exagerados de álcool, já que este faz parte também da cultura praxística
Mas também pode ter pontos a favor:
- Permite, quer se queira quer não, a inclusão rápida numa nova cultura
- Permite conhecer colegas do mesmo ano e de anos mais avançados, que podem servir de apoio, até mesmo academicamente
- Pode desafiar e desenvolver o indivíduo, confrontando-o com novas maneiras de ver o mundo, nem que seja pela rejeição da praxe
- Tem um lado romântico e sonhador que não pode ser desprezado (quem já cantou serenatas à porta de uma residência feminina, sabe do que estou a falar)
- Permite o desenvolvimento de companheirismo e solidariedade
- Pode ser extremamente divertida, para todos: velhos e novos (ou melhor, veteranos e caloiros)
Quando se passam as marcas, pondo em causa, seja de que forma for, a integridade física ou moral de um caloiro, a praxe académica, a meu ver, deixa de ser praxe. Passa a ser crime. E aí só há uma coisa a fazer: recusar a praxe e fazer queixa na polícia.
Aos “Veteranos” e “Doutores de Praxe”, aconselho a terem cuidado com as praxes que efectuam. Não se esqueçam que aquele caloiro nunca mais vai esquecer o que lhe fizeram, para o bem e para o mal. Podem ser recordados com carinho e saudade, ou com ódio e rancor. A escolha é vossa.
Aos “Caloiros”, não hesitem em recusar ser praxados se for isso o que realmente desejam. Lembrem-se de que podem sair da praxe a qualquer momento. Se optarem por entrar na cultura praxística, divirtam-se, tenham cuidado com o álcool, não pactuem com abusos e denunciem-nos aos Veteranos mais antigos ou, se for caso disso, à polícia.
A todos que participam nestas actividades, vivam-na bem. Dura pouco. Daqui a uns anos vão ter saudades. Eu tenho, e ainda fico com uma lágrima no canto do olho, quando oiço uma tuna a tocar os “Amores de Estudante”, o hino da Academia do Porto…
Publicada porVictor Silva à(s) 20:50
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Domingo, Outubro 14, 2007
É tempo de praxe
Todos os anos por esta época as universidades portuguesas enchem-se de estudantes que fazem coisas ridículas sob orientação dos seus colegas mais velhos. Esta semana cruzei-me em Aveiro com um longa bicha de caloiros que vinham da ria acartando nas mãos, debaixo do sol, sacos plásticos cheios de lodo. Presumo que a intenção fosse levar aquela porcaria para a Universidade. Em Coimbra, ao pé da escadaria monumental, passei por um estudante com o traje académico que era escoltado ao caminhar por quatro colegas recém-chegados à capital da cultura universitária que o rodeavam de braços estendidos no ar agarrando a capa dele sobre a sua insigne cabeça para que esta não apanhasse sol de mais. Suponho que teria medo que o pequeno cérebro derretesse.
Chamam a isto a praxe, e a justificação dada para que os colegas mais novos se tenham de lhe submeter é a necessidade de “integração”. Só há integração para quem não fizer ondas e aceitar com humildade os tratos de polé. Os caloiros são mandados fazer figura de urso para se poderem integrar, com a promessa de que um dia também poderão ser superiores prepotentes e terão enfim o direito de mandar uma nova geração de inferiores (caloiros/lamas/lodos) fazer por sua vez figuras tristes. É a apologia da humilhação como estratégia pedagógica.
Dizem os praxistas que é bom como aprendizagem para a vida, como preparação para o mundo. Aprende-se assim a respeitar a hierarquia, preparam-se os jovens para um modelo de relações profissionais baseado não no respeito mútuo, mas nas pequeninas e mesquinhas maneiras quotidianas de lembrar quem é o superior. Um modelo onde pouco conta o mérito, onde as ideias novas ou diferentes são malvistas, no qual importante é saber lamber as botas de algum cacique. Aprende-se a obedecer sem questionar. Para que se perpetue uma cultura que promove o medo de ser o destravado da língua que comete a heresia de dizer que o rei vai nu. E que é saneado pela ousadia. A praxe é um reflexo do triste país que temos, portugalzinho no seu pior.
Publicada por João Paulo Esperança em 11:52 PM 0
in Hanoin Oin-Oin
Very curious question