Troca de Seringas nas Cadeias
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Desde o início que fique claro: Sou defensor de medidas de redução de danos como as trocas de seringas, metadona de baixa exigência, testes a pastilhas, distribuição de preservativos. Parece-me que existe muita falta de informação e mesmo algum discurso falacioso em relação a este tema. Assim, debruçar-me-ei especificamente sobre a troca de seringas nas cadeias, partindo de alguns dos argumentos dos que estão contra a medida.
Antes de mais convém explicar o que são medidas de redução de danos, de onde vêm, qual a sua lógica. Podemos dividir a redução de danos em dois conceitos diferentes: a Redução de Riscos e a Minimização de Danos. O primeiro refere-se a estratégias que visam a diminuição dos perigos para a saúde pública; o segundo visa a redução dos danos para o consumidor. Assim, podemos entender o conceito mais abrangente e que inclui estes dois – a Redução de Danos – nas drogas como sendo o conjunto de medidas e intervenções que mais do que procurar eliminar o consumo, pretende diminuir os riscos associados, quer para o utilizador, quer para a sociedade.
Desde os anos 80, e particularmente desde que a infecção pelo vírus da SIDA aumentou, começaram a surgir estratégias que não visavam nem o tratamento nem a prevenção da toxicodependência, mas sim evitar que doenças como a referida SIDA , hepatites, etc se propagassem, bem como evitar outros problemas de saúde para as pessoas que injectavam drogas, como abcessos, infecções, relacionadas com a utilização de seringas sujas e em mau estado. Surgiu uma nova forma de ver o problema, mais pragmática: era (é) um facto que as pessoas se injectavam; era (é) um facto que as doenças se propagavam mais facilmente através de seringas contaminadas que eram (são) partilhadas. Queríamos reduzir as infecções, nada mais lógico que providenciar seringas limpas a quem o quisesse, diminuindo assim a partilha. Foi esta lógica que, quando aplicada em Portugal com os programas de troca de seringas, permitiu diminuir substancialmente os contágios de SIDA entre toxicodependentes.
Volto a reforçar a ideia central destas estratégias: o objectivo não é tratar a toxicodependência, o objectivo é, claramente, evitar consequências associadas ao uso de drogas. Aliás, em Portugal, as primeiras experiências nem surgem da parte das entidades responsáveis pela luta contra a droga, mas sim das responsáveis pela luta contra a SIDA.
Esta semana (e presumo que durante os próximos tempos a coisa continuará) tenho assistido a declarações e opiniões em diversos órgãos de comunicação que enfermam, a meu ver, de erros de pensamento lógico, moralismo exacerbado e, pior, falácias argumentativas propositadas. Vou pegar nalgumas delas, tentando desmontá-las:
1-“Em vez de tratar estão a auxiliar o consumo” - Redução de Danos não implica o fim de estratégias de tratamento e pode mesmo levar um consumidor a procurar tratamento (existem imensos casos destes). É um facto que o consumo já existe. Lidemos com esse facto da melhor forma, evitando males maiores. Estas estratégias NÃO têm como objectivo o tratamento.
2-“A prevenção é que é o caminho” – Sem dúvida! Antes prevenir que remediar. Mas a prevenção não elimina quem já consome ou virá a consumir. A prevenção não chega a toda a gente; a prevenção não funciona com toda a gente. Novamente, o objectivo não é prevenir o consumo. É prevenir riscos associados ao consumo. Uma coisa não elimina a outra. São coisas diferentes com objectivos diferentes.
3-“Não à troca de seringas, eliminem antes a oferta de drogas” - Enquanto houver procura, haverá oferta de substâncias. Enquanto for financeiramente atractivo, haverá sempre quem imagine novas formas de introduzir drogas seja onde for. Tudo a favor do controle da oferta e do trabalho da polícia. Mas assumamos que existirão sempre drogas no mercado.
4-“Tratei-me porque fui obrigado a isso, daí ser contra a troca de seringas” – O tratamento é uma coisa, a redução do contágio de doenças através da troca de seringas outra. Novamente, não confundamos os objectivos das coisas. Se foi o facto de ter sido “obrigado” que funcionou, isso provavelmente ia acontecer mesmo que se injectasse com seringas limpas.
5-”Aumenta a insegurança” - As seringas (artesanais muitas vezes e usadas por diversas pessoas) já existem nas cadeias. Aliás, podem mesmo ser moeda de troca; a sua falta (imagino) pode originar comportamentos agressivos. Pelo que sei, os utentes da troca de seringas em meio prisional serão sujeitos a avaliação e nem todos terão acesso a elas, entre outras medidas de segurança. Mais vale assim do que com seringas “maradas” nas mãos de reclusos perigosos. Ou não? A questão aqui nem é a troca de seringas, é a posse de objectos perigosos. No mínimo, trocar-se-á uma seringa que já existe na cadeia por outra, mas só que “limpa” e que será devolvida à proveniência após a utilização.
6-“Mais dinheiro para os drogados” - Evitando o contágio pelo HIV reduz-se em muito as despesas do SNS: “no meio prisional , em oito anos seria possível evitar 650 novas infecções de sida e o gasto de 177 milhões de euros ao Estado” in Público de 24 de Setembro. Parece-me um bom “negócio”…
7-“Na Suécia não fazem isso” - A realidade Sueca é muito diferente da portuguesa. A realidade espanhola estará mais próxima. Mas isto também não é argumento – a questão é que os programas dos nossos vizinhos tiveram bons resultados para um problema que também temos. E, países do Norte da Europa, cada um escolhe o que lhe dá mais jeito: A Holanda há muitos anos que tem estratégias de redução de danos, com bons resultados.
8-“É uma desistência do Estado na luta contra a droga” – Se se acabasse com o tratamento (e a possibilidade de que quem se quiser tratar o poder fazer) e a prevenção, talvez. Se se continuasse a fechar os olhos a uma coisa que existe com as consequências que já sabemos, de certeza. Até podemos varrer o pó para debaixo do tapete. A questão é que ele continua lá, a gerar alergias . É melhor limpar o pó, ou gastar dinheiro em medicamentos?
Não espero que este texto altere as opiniões das pessoas. Há muita emocionalidade à mistura. Espero que sirva de reflexão racional, amoral (diferente de imoral) nesta questão. Só isso já seria muito bom.
Publicada porVictor Silva à(s) 21:28 2 comentários
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O Processo de Orientação Vocacional
Chega-se ao inicio do último ano do 3º Ciclo (9º ano) e começam as dúvidas? Que área vou escolher no secundário? Pode ser violento para muitos adolescentes terem que escolher com 15 anos uma área de estudos que depois os preparará para o acesso a um curso superior ou a uma profissão. Chega-se ao final do secundário e mais uma decisão: agora é preciso escolher um curso que levará a uma profissão, ou ao ingresso no mercado de trabalho. Já estamos na Universidade ou a trabalhar e descobrimos que não era aquilo que queríamos. Que fazer? Que opções tomar?
Enquanto os filhos se preocupam com estas coisas, os pais pensam “se calhar é melhor ele fazer uns testes vocacionais no psicólogo” e perguntam-se: O que será esta coisa da Orientação Vocacional? Será que os testes são suficientes?
Na orientação vocacional como a entendo e pratico, visa-se a exploração do percurso vocacional, num contexto ao mesmo tempo apoiante e desafiador para o cliente. Esta visão ultrapassa em muito a mera passagem de testes, até porque estes (embora utilizados) dão-nos uma visão do estado actual do cliente em termos de interesses e valores profissionais (por exemplo). Ora esta dimensões podem evoluir ao longo do tempo. Os testes são extremamente utéis, mas devem ser vistos como instrumentos num processo, não a resposta final.
As pessoas não nascem com uma vocação, constroem-na. Nesta construção estão envolvidos diversos factores (interesses e valores pessoais, influências parentais ou dos pares, etc). A Orientação Vocacional não é apenas decidir o que se quer estudar ou fazer profissionalmente, é também um exercicio de auto-conhecimento, das próprias competências e lacunas, de si mesmo, afinal de contas.
Assim sendo, uma intervenção típica de Orientação Vocacional, para além das etapas de criação da relação segura com o cliente e conhecimento deste, inclui:
O trabalho e análise de Mitos ao nível das capacidades, aptidões e vocacões;
Influências parentais e familiares ao nível vocacional;
Valores pessoais e profissionais;
Interesses Profissionais e sua ligação com as escolhas e percursos escolares;
Capacidades e Aptidões e sua ligação com o percurso vocacional;
Conhecimento de cursos, opções escolares e profissões mais adequadas ou de maior interesse vocacional para o cliente através das dimensões anteriores e da exploração destas "saídas" pelo próprio (através de pesquisa de informação sobre as profissões, entrevistas a profissionais, etc, realizadas pelo cliente - fomentando a sua autonomia - mas com o apoio e preparação por parte do psicólogo);
Discussão da informação recolhida, convergência com as dimensões pessoais e treino de competências de tomada de decisão (ou seja, ajudar o cliente a que, tendo em conta todo o trabalho de auto-conhecimento e de exploração de respostas existentes - cursos, profissões, etc - seja capaz de fazer escolhas por ele mesmo).
Finalmente, integração das diversas dimensões do trabalho desenvolvido e construção do projecto vocacional - planear o que se tem de fazer, quando se tem de fazer para aceder a uma profissão ou resposta de formação/escolar.
Como se vê, nesta perspectiva, mais do dizer a um cliente que tem jeito para isto ou para aquilo, realizamos um trabalho de auto-conhecimento e promoção da autonomia, dando-lhe ferramentas para que, numa outra altura da vida (e nos dias que correm, as pessoas passam por várias actividades ao longo da vida) possa decidir adequadamente acerca das suas opções vocacionais. Desta forma, estamos a promover o desenvolvimento da pessoa.
Consonte as características da pessoa e problema apresentado (orientação vocacional na passagem para o ensino secundário; passagem para o ensino superior; reorientação vocacional - quando as pessoas não estão satisfeitas com as escolhas feitas) o número de sessões é variável. Tipicamente andará à volta das 8 a 10 sessões, sendo por vezes necessário mais consultas, já a outro nível de intervenção, quando o cliente apresenta outros problemas associados, como desânimo, humor depressivo, ansiedade, o que pode por vezes acontecer nestas situações relacionadas com a decisão vocacional. .
Publicada porVictor Silva à(s) 19:16 2 comentários
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Notícia do Público
Já é antiga (Janeiro de 2006), mas ainda é possível ler o artigo que saiu no público sobre a minha tese "Trance, House e Techno (...)" aqui.
Publicada porVictor Silva à(s) 00:46 0 comentários
Consultas relacionadas com Toxicodependência
Informo eventuais interessados de que não me é possível atender pessoas com problemas de toxicodependência.
Recomendo o recurso aos serviços de saúde especializados (Centro de Atendimento a Toxicodependentes).
Publicada porVictor Silva à(s) 00:25
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Entrevista à revista "Dependências"
Poderão ver o artigo publicado e uma entrevista que dei à revista Dependencias a propósito da minha tese de mestrado "Trance, House e Techno" aqui (pdf).
Publicada porVictor Silva à(s) 00:17 1 comentários
Extraterrestres e santos on-line
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Volta e meia o Portugal Diário presenteia-nos com verdadeiras pérolas na secção “Acredite se quiser”. Um homem pretende processar o estado alemão por ter sido raptado por extraterrestres. Um website dedicado a Frei Galvão afirma realizar milagres on-line. Dá para rir? Dá. Mas também dá para ficar preocupado.
No primeiro caso, um homem de 23 anos afirma ter sido raptado por uma nave em forma de cruz e depois de sujeito a experiências dolorosas que envolveram agulhas nos genitais, foi “nomeado” intermediário dos extraterrestres. Depois desta experiência e, sem dúvida por instruções dos seres de outro planeta, decidiu tomar banho numa fonte da cidade e andar de bicicleta completamente nú. Cá para mim, estes extraterrestres devem ser produtores de algum programa de televisão que goza com os terrestres. Naturalmente, este homem foi encaminhado para um hospital psiquiátrico. Mas eis quando um advogado decide processar a cidade alemã, por não proteger os seus cidadãos deste tipo de raptos. Que o seu cliente não devia ter sido internado devido a ET, já que a lei não o prevê. E ainda vai afirmando que desde 1961 já ocorreram milhares destes raptos.
Pois…Lamento sr. Larek, mas parece-me óbvio que o seu cliente foi internado por demonstrar comportamentos indiciadores de perturbação mental, não de raptos de ET. Que a lei não preveja raptos por ET parece-me lógico. Os legisladores certamente terão outras coisas com que se preocupar. Quanto aos milhares de raptos…Nunca nenhum deles foi provado cabalmente, cientificamente. E, de resto, parece-me difícil que uma civilização ET tão avançada que é capaz de viajar pelo espaço sideral ainda precise de agulhas para fazer testes e, mais que isso, que permita que a cobaia se lembre da experiência.
Estes raptos por ET são apenas uma construção imagética das pessoas, que geralmente ocorre durante a noite, sendo muito provavelmente sonhos muito vívidos. Antes existiam demónios, íncubos, anjos e coisas que tal, que nos visitavam durante a noite, agora são os extraterrestres. Repare-se que muitas destas visitas de seres extra-fisicos envolviam violações e situações sexuais. Isto explica-se pela cultura popular. Antes muito ligada a estas figuras esotéricas, por influência da religião e crenças mais ou menos religiosas, agora muito mais influenciada pelos filmes norte-americanos de ficção científica e, paradoxalmente, pelos avanços da ciência que permitiram ao ser humano aventurar-se fora do planeta Terra. Diz o sr. Larek que existem relatos desde 1961 deste tipo de raptos. Naturalmente não tem relação nenhuma com o facto da exploração espacial humana se ter iniciado mais ou menos nessa altura…E, curiosamente, tanto os demónios como os ETs parecem ter um interesse muito sexual acerca de nós. As nossas pulsões sexuais, frustrações ou desejos são parte do que é ser humano. Disso depende a sobrevivência da espécie. Não me espanta que o sexo ou que os receios mais inconscientes relacionados com o sexo sejam parte das nossas noites e dos nossos sonhos. Mesmo que isso envolva ETs ou demónios. São sonhos.
Quanto ao santo on-line, o “milagre” descrito não tem nada de milagre. Uma mulher foi ao médico que lhe disse que ela tinha um tumor, que suspeitava ser maligno, que era necessário fazer uma biopsia. Repare-se que não lhe disseram que era maligno ou benigno. Apenas que havia uma suspeição. A mulher foi ao site várias vezes, acendeu umas velas e , milagre, no dia em que recebeu os exames, estes caíram ao chão e afinal o tumor era benigno. Milagre? Não me parece. As coisas caem ao chão. Basta estarem mal pousadas numa superfície e deixar a gravidade actuar. Ou deixar uma janela aberta. Quanto ao tumor ser benigno, ainda bem. Foi para saber se era ou não que foi feita a biopsia. Milagre mesmo era um tumor maligno tornar-se benigno. Mas o mais grave é que este site disponibiliza uns comprimidos, supostamente milagrosos. Aqui já se passa da fé para o crime. Se dão mesmo comprimidos, fazendo-os passar por medicamentos, este site deveria ser imediatamente encerrado. O desespero das pessoas é tão grande nestas situações que podem mesmo interromper tratamentos médicos para tomar pílulas milagrosas. Tipicamente, se acreditarem o suficiente, sentem melhorias físicas, mais energia, menos dor. Mas não é dos comprimidos! São as endorfinas a actuar. Quando estas voltam aos valores normais, volta a dor, por vezes com consequências graves pois interrompeu-se o tratamento médico.
Dá para rir? Já não sei. Estas duas histórias revelam que a crendice pseudo-científica pode ter consequências graves. O alemão pode não ter o tratamento psiquiátrico de que precisa. A mulher do milagre podia ter interrompido o tratamento médico. E outras pessoas, ao lerem estes relatos acriticamente, podem tomar decisões muito negativas.
Como dizem os cépticos destes “fenómenos”, mantenha a sua mente aberta. Mas não deixe o seu cérebro cair.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:59 1 comentários
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Gravatas, doutores e engenheiros
O que nos leva a usar um pedaço de pano amarrado ao pescoço sem utilidade aparente?
Que mania é esta que temos, que qualquer pessoa supostamente importante terá de ser “doutor” ou “engenheiro”, mesmo que não tenha acedido a esses graus académicos ou profissionais?
As gravatas actuais são descendentes das “fascalia” romanas, que eram usadas pelos oradores para proteger as cordas vocais. Hoje em dia, não vejo razão pragmática para uso de tal objecto, a não ser talvez castigar o seu utilizador por qualquer pecado não confessado através do estrangulamento do pescoço.
Certamente já se depararam com a situação ridícula (eu assumo já se ter passado comigo) em que ao contactar com alguém com algum estatuto, tendemos a trata-lo por doutor. Mesmo que não saibamos se é licenciado. Mesmo quando até sabemos que não o é, mas por usar gravata (lá está!) parece que outra forma de tratamento será inadequada.
As gravatas e os títulos têm subjacente a questão do estatuto. O não uso da gravata, por exemplo, pode ser até uma tomada de posição política, de não alinhamento com as convenções típicas da nossa sociedade. Ou será por acaso que o Francisco Louça raramente usa gravata?
Tenho há anos uma conversa recorrente com a minha mãe: “Devias usar gravata. Assim até parece que não és doutor!” e eu lá vou replicando que a gravata não faz o homem e que, aliás, desde que fiz o mestrado estou dispensado disso porque ainda não inventaram um sinal exterior que se possa vestir para mostrar que somos Mestres ou Professores Doutores. Assumo que recorro a qualquer argumento para não usar gravata.
Nas últimas semanas assistimos (parece que a coisa ainda não acabou) e quase até à naúsea à discussão sobre se o Primeiro-Ministro é Engenheiro, Engenheiro Técnico, nenhuma das duas possibilidades. Cá para mim, se o Sócrates não usasse gravata, ninguém se tinha lembrado de ir ver o seu percurso académico. Usa gravata, não lhe basta ser primeiro-ministro do país, tem de ser engenheiro ou assim. Quanto às situações caricatas e rocambolescas deste caso, que se investigue se tiver de ser investigado. Depois digam-me alguma coisa. Para já interessam-me acima de tudo as gravatas. E os “Drs” e “Eng.”.
Há uns anos, havia um programa na TVI chamado “Doutores e Engenheiros” onde candidatos a esses graus académicos traziam para a televisão brincadeiras da praxe que deveriam ficar no seu contexto, a praxe. Ora vejam lá se aquele Doutor ou Engenheiro de hoje, tratado com extrema reverência, não andou a fazer parvoíces com mais ou menos graça quando era estudante. Da maneira como isto vai, mais dia menos dia vão investigar o passado praxístico dos políticos. Neste momento ainda bem que não tenho aspirações políticas. Iam investigar os meus tempos de faculdade e descobriam que andava de traje a fazer praxe aos caloiros. Para além disso, denominava-me doutor (sem o ser) e (claro está!) usava gravata (e capa e batina). Mais um sinal exterior de estatuto associado ao doutor….
Agora a sério: qualquer sociedade ou cultura utiliza marcadores estilísticos para demonstrar o estatuto de membros importantes ou para demonstrar a sua pertença. Grupos como as claques de futebol utilizam cachecóis (até mesmo no Verão) com as cores do seu clube. Os membros de culturas juvenis (muito associadas à música) usam vestuário distintivo que lhes permite identificar os “camaradas” e mostrar a sua diferença em relação à cultura “adulta”. Os universitários ligados à praxe utilizam o traje académico como forma de pertença e distinção dos que não partilham a mesma cultura. A cultura “adulta” adoptou o fato e gravata como marcador estílistico de diferenciação sócio-económica ou sócio-cultural. Por isso é que as gravatas são tão usadas, sem terem uma utilidade real.
Quanto a mim, enquanto puder, vou andando sem gravata. O que em si é também uma forma de resistência a esta tendência de privilegiar o parecer ao ser. Prefiro que me perguntem que profissão tenho a deduzirem que sou doutor porque uso um pedaço de pano colorido amarrado ao pescoço. E, já agora, “doutor” a sério para mim, neste momento, é o canalizador que me resolveu um problema cá em casa há umas horas. E não precisou de gravata para fazer o seu trabalho.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:58 0 comentários
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Pais biológicos, Pais adoptivos e uma criança
Tem sido a novela da vida real. Toda a gente conhece a história: Um pai biológico que quer uma filha. Pais adoptivos que querem uma filha. Agora uma mãe que quer uma filha mas para entregar aos pais adoptivos. Um pai preso, uma mãe em fuga, uma criança em sofrimento. Tribunais lentos. Uma grande confusão.
Se estivéssemos nos Estado Unidos, já alguma companhia cinematográfica tinha assegurado os direitos para o filme. Daqueles telefilmes a puxar ao sentimento. A história nem inventada! Toda a gente a conhece, não vou sequer por aí. Interessa-me antes reflectir sobre dois aspectos: As possíveis consequências para a criança. Por outro lado, as motivações de todos estes pais e mães.
Puxem pela imaginação e coloquem-se neste papel: têm cinco anos, têm um pai e uma mãe que, até prova em contrário, gosta de vocês e vocês deles. Afinal, são os vossos pais. De repente (ou aos bocadinhos, não interessa), o vosso pai é preso, têm de fugir com a vossa mãe porque um senhor quer ser vosso pai. Um senhor que viram uma vez. Não sabem se o vosso pai vai voltar. Não sabem se vão voltar à vossa casa, aos vossos amigos, à vossa escola. Não sabem se vão ter de ficar com um pai novo, que não conhecem. Como se sentiriam?
Outro exercício de imaginação: Imaginem que têm uma filha à vossa guarda há cinco anos. Criaram uma relação com ela. Viram-na crescer. Levaram-na ao infantário. Festejaram aniversários. É a vossa filha querida. Que fariam se fossem obrigados a entregá-la ao pai biológico?
Um último exercício: Tiveram uma relação fugaz com alguém. Esse alguém fica grávido(a) mas vocês não ficam convencidos que a criança seja vossa. Tempos depois fazem uns testes e descobrem que a criança é sangue do vosso sangue. Mas está com pais adoptivos. Que faziam?
Dado este cenário – pelo menos é o que tenho compreendido – e estando de fora, a primeira reacção é colocar-se do lado dos pais adoptivos, por todas as razões e mais alguma. É humano. Aquelas pessoas parecem ter acolhido e amado uma criança enjeitada, que ninguém queria e agora todos querem. Mas não terá também direito – e ao que parece a lei assim o diz – o pai biológico ficar com a criança? Não acreditou, depois confirmou e agora quer criar a sua filha. Também parece legitimo.
Mas falta-me aqui qualquer coisa. Que amor tão grande por uma criança faz uma pessoa querer retirá-la a quem a criou? Que motivações estão por detrás desta posição? Podemos especular muito, que não teremos uma resposta que nos satisfaça. O lado dos pais adoptivos parece ser mais compreensível.
Mas para quê debruçarmo-nos sobre o lado do pai biológico, o lado dos pais adoptivos, se esquecermos quem realmente importa nesta história toda? E aquela criança? É bom ser desejado por muita gente, mas aposto que a criança preferia não ser desejada por tanta gente. Preocupa-me muito menos os direitos do pai biológico, a dor dos pais adoptivos do que as consequências para a criança. E esta criança está já a sofrer imenso. Devia estar a brincar às escondidas, não andar escondida. Devia estar com quem gosta dela e ela conhece, não na dúvida de mudar de pai como quem muda de camisa.
Pai que é pai e mãe que é mãe preocupa-se com o bem estar dos filhos. Não os vê como propriedade. O pai que abdicar dos seus direitos, que optar por sofrer ele para que a filha não sofra mais, é o pai que merece ficar com a criança. Já muito mal se fez a esta pessoa, com tão pouca idade. Seja qual for a solução, antevejo um processo longo de recuperação. Resta saber apenas a dimensão dos danos. Este caso – como muitos outros – exige reflexão acerca do funcionamento de algumas instituições. Acerca da lentidão na decisão de coisas que podem prejudicar um cidadão, talvez irreversivelmente.
Mas a mim, como psicólogo e como pessoa, fico com a mesma questão: Que motivações estão por detrás da actuação destas 4 pessoas ? Não digo que sejam positivas ou negativas. Gostava apenas de conhecê-las. São essas motivações que levam a que um inocente esteja certamente em sofrimento.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:58 0 comentários
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Queima das Fitas
Primeiras semanas de Maio e tal qual ritual de passagem ancestral, as ruas enchem-se de capas e batinas. E, como em todos os Maios por esta altura, reparo que há coisas que não mudam: este momento de festa é também momento de nostalgia para milhares de pessoas. Os Universitários à beira de terminar o curso e os que por lá já andaram.
Faz parte da minha formação enquanto psicólogo o considerar que as pessoas se desenvolvem até ao final das suas vidas, num continuo revisitar do passado e de estados desenvolvimentais passados que nos permitem crescer e olhar para o que passou com olhos diferentes. Com os olhos de hoje que vêm o passado. Com pensamentos que viajam até ao passado e regressam ao presente, construindo uma narrativa, uma história pessoal que nos faz o que somos hoje e nos permite construir o que seremos amanhã.
Para quem como eu participou activamente nas Tradições Académicas universitárias, certamente as primeiras semanas de Maio tornam-se quase inevitavelmente momento de nostalgia.
Esta é uma viagem pelo passado. Alguns de vos farão viagens parecidas ao ler a minha. Outros talvez percebam melhor porque é que pessoas como eu ficam com os olhos a brilhar quando vêm alguém de capa e batina a gritar um “É-Fé-Re-à”
Nestes dias, lembro-me quase como se fosse hoje, do que senti quando vim para a Faculdade. O sair de casa, o ir à descoberta de um sítio diferente, o ter de desenrascar-se. Aquele misto de medo e excitação. Depois, vêm à memoria as brincadeiras de quando era caloiro, os colegas mais velhos que conheci, que “gozaram” comigo, mas também me explicaram, onde ficava a Rua de Cedofeita ou onde se apanhava o 78 para chegar a casa. Coisa tão simples hoje. Extremamente complexa em 1993. E as recordações vão-se encadeando, vou-me rindo sozinho quando me lembro desta ou daquela situação, vou também ficando com o coração apertado ao me recordar de outros acontecimentos. O primeiro dia em que usei o traje e a dificuldade em dobrar a capa como devia ser. Os jantares de faculdade. Os amigos, os fados cantados pelas ruas do Porto “…vem pela rua a cantar o boémio trovador…”, aquele dia em que fui convidado por um quartanista para tomar um café, o receio que tinha dele, a amizade (que se mantém até hoje) que foi construída a partir daí. A primeira vez que praxei. A última vez que praxei. As tertúlias acerca da praxe com colegas de outras faculdades, que ultrapassavam em muito as tradições, regras e coisas que tal para se tornarem discussões acerca da vida, do amor, da literatura. As pessoas que se foi conhecendo aqui e ali, que se encontravam regularmente, sem necessidade de telemóveis e e-mails, no “Piolho”, no “Encontro”. As vizinhas do andar de cima daquele apartamento em Miguel Bombarda, que em pouco tempo se tornaram amigas próximas…
As festas nos bares da Ribeira. Quem não se lembra do célebre Albérico do “Ribeirinha” e do seu grito “tenha uma noite linda” que indiciava quase sempre uma bebida à borla… As festas de Ciências no Number One…Os apontamentos emprestados, as noitadas a “marrar”, os exames, os trabalhos de grupo (coisa difícil para um individualista como eu).
Os amores que foram, os amores que não chegaram a ser. Os amores que foram, podiam ter sido mais e terminaram…Um deles em Maio.
As queimas no Palácio de Cristal, uma na Quinta do Covelo – ver lá os Sétima Legião e os Mão Morta – outras no Parque da Cidade – Os Young Gods a tocar à chuva, num concerto memorável, os Mission a tocarem “Butterfly on a Wheel” e eu a olhar para o lado, para o meu amor da altura, a pensar “tenho de lhe dizer”…e não conseguir.
Os amigos que se fez, a camaradagem que se construiu.
Uma cartola cor de laranja que anunciou o fim.
Hoje sou psicólogo, eles médicos, engenheiros, professores. Sou o que sou porque vivi tudo isto e mais. Seria diferente se tal não tivesse acontecido. Conjunto de instantes que nos fazem o que somos.
E aquela melodia que não sai da cabeça nestes dias: “quero ficar sempre estudante, para eternizar a ilusão de um instante…”
Ficaram os instantes. Os amigos. E muita, muita saudade.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:57 1 comentários
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Gato Fedorento, decisões partilhadas e líderes anunciados
Que fique claro desde o inicio: sou um grande fã do Gato Fedorento, ainda do tempo do blog e daquela rábula agora mítica da altura do “Perfeito Anormal”. O grupo cresceu muito (e ainda bem). Cada vez mais se fala em Ricardo de Araújo Pereira como líder. Será que vão manter o funcionamento à “comité central” ou as dores de crescimento levarão ao fim do grupo como agora o conhecemos?
Antes de mais, convém anunciar que depois de uma paragem desde Outubro do ano passado, Tiago Dores fez hoje, 6 de Fevereiro, duas entradas no blog do gato fedorento (http://www.gatofedorento.blogspot.com/). Espero que para continuar…
Desde o despontar deste colectivo humorístico que me agradou a sua forma de funcionamento. Pelo que dizem, as rábulas e as decisões relativas ao grupo são feitas de forma colectiva. Parece-me que a grande força enquanto grupo reside exactamente neste facto, bem como nos relacionamentos pessoais entre os seus elementos. No meu imaginário, vejo-os como um grupo de amigos que vai fazendo piadas uns com os outros e que por acaso chegaram aonde chegaram. Quantos de nós já não fizemos o comentário “esta era mesmo boa para o gato fedorento” depois de uma troca de chalaças entre amigos?
Este relacionamento horizontal, em que todos têm o mesmo poder é factor de coesão grupal. É factor de originalidade, de criatividade. Porque as ideias saem, trabalham-se, com contributos de todos, em que não se tem medo do que o líder vai dizer. Como se costuma dizer, o conjunto é mais que a soma das partes. E, mais que isso, forma um bloco coeso contra o exterior.
Ultimamente, em diversas publicações, têm surgido perfis e reportagens com um dos gatos, Ricardo Araújo Pereira. Nas entrelinhas, ou nem por isso, lá se vai adiantando, especulando, afirmando, ser ele o líder do grupo. E eu começo a pensar: “espero que isto não dê no que aconteceu a tantas bandas de música: um ganha mais protagonismo e quando damos por ela, o grupo separou-se…”
É quase um facto da natureza humana que em qualquer tipo de grupo acaba sempre por surgir um líder natural. É quase uma verdade incontestada que no meio artístico, quando um elemento de um grupo se destaca, o fim desse grupo parece estar no horizonte. Ou, no mínimo, sofre alterações profundas.
Como é lógico, não conheço nenhum dos gatos, não sei como lidam com este ascendente de um dos elementos. Espero que havendo questões, elas sejam debatidas abertamente (devo confessar que na minha inocência, acho que é isso que acontece), que se permita o crescimento individual sem prejudicar o crescimento grupal.
De resto, estou já a cometer aqui um erro: afinal, que eu saiba, daquele grupo ainda ninguém disse que o Ricardo Araújo Pereira é o líder. Se calhar até se riem destas coisas. Se calhar até ficam contentes por um deles ser assim tão reconhecido (até mais que eles próprios). Espero que sim.
Peguei no Gato Fedorento como metáfora para o funcionamento difícil dos grupos humanos (pode ser uma equipa de futebol, pode ser um conjunto de empregados de uma empresa). O equilíbrio entre a manutenção de um grupo de sucesso e o sucesso individual dos elementos desse grupo é uma coisa complexa, que exige muito dialogo, respeito, até mesmo controle do fundo paranóico que todos temos.
Quando as funções de cada elemento de um grupo estão bem definidas, e se dá espaço para as ambições pessoais (desde que não prejudiquem o grupo) esse equilíbrio é possível e pode mesmo ser motor de desenvolvimento. Afinal, os U2, mesmo com um Bono sempre metido em Africa e afins (e muito bem) continuam por aí, com sucesso.
Quanto ao Gato Fedorento, espero que se mantenham enquanto Gato Fedorento e não o Ricardo mais 3 (nem de propósito têm o número típico de uma banda rock). Que mantenham o funcionamento à comité central. E, de resto, só de olhar para eles, dá-me ideia que o Tiago Dores traz coisas que o Zé Diogo Quintela não se tinha lembrado, que o Miguel Góis acrescenta uma palavra que estava a faltar, que o Ricardo Araújo Pereira aparece com aquele esgar que faz a piada escrita funcionar. E que, mais que tudo, também se riam de si próprios e das crónicas de um fã com preocupações talvez estúpidas.
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O Mistério do Bilhete de Identidade
Para que serve aquele algarismo mesmo ao lado do nosso número de Bilhete de Identidade? Todos nós já devemos ter ouvido a história de que se trata do número de pessoas com o mesmo nome. Pois não é para isso que serve…
Andava há umas semanas para comprar um livro que saiu recentemente, chamado “O Fim do mundo está próximo?” de Jorge Buescu (Gradiva). Sabia que se tratava de uma obra de divulgação científica, mas o que me atraiu mesmo foi o título.
Ao ir à Feira do Livro do Porto, descobri que o Autor tinha mais dois livros . “ O mistério do bilhete de identidade e outras histórias” e “Da falsificação de euros aos pequenos mundos”(também da Gradiva). Não resisti a estes títulos e comprei os três livros.
Comecei logo pelo mais antigo, o que prometia revelar o mistério do bilhete de identidade. Deparei-me com um livro fantástico. Em pequenos capítulos o autor explica pequenas-grandes maravilhas da matemática, debruça-se sobre o que é a ciência, desmistifica verdades absolutas.
Um capítulo que muito me agradou como adepto do FCP foi a explicação matemática de como o Sporting não poderia chegar a campeão no ano de 2001, nem o Boavista no ano a seguir. Pelo que percebi, matematicamente e mantendo-se algumas variáveis, o Porto ganhará outra vez no ano que vem.
Outro capítulo fantástico tem a ver com a relação entre o Minesweeper (sim, o joguinho que vem com o Windows) e o apocalipse (neste caso o colapso da economia).
Poderia aqui falar de muitos outros capítulos do livro. Jorge Buescu é um matemático e escreve principalmente sobre matemática e como ela está presente na nossa vida. Eu, que tirando a estatística da Faculdade, deixei de estudar matemática no nono ano, fiquei com pena de não saber mais. Mas mesmo assim, este pequeno livro conseguiu fazer uma coisa que há muito não acontecia: à medida que ia lendo, ia apontando numa folha as formulas matemáticas que o autor referia como exemplos e puxei pelo pouco que ainda me lembrava de matemática. Com dificuldade nalguns casos, com sucesso noutros, fui percebendo um pouco mais desta disciplina, que longe ser chata, pareceu-me muitíssimo interessante, bela até na sua lógica. Deu-me vontade de voltar a aprender matemática. Se isto aconteceu com um psicólogo com muita coisa para fazer, certamente dará ainda mais vontade a um jovem que esteja a estudar e que ainda pode ir às aulas de matemática.
Mesmo nos casos em que a explicação através de fórmulas matemáticas é muito difícil para alguém como eu, Buescu consegue explicar a lógica da coisa de uma forma simples. Conseguimos perceber mais ou menos como aquilo funciona. E dá-nos vontade de saber mais.
O primeiro livro foi devorado no mesmo dia em que foi comprado, agora estou a ler o segundo (“Da Falsificação de Euros aos pequenos mundos”) devagar para durar mais e estou desejoso de saber se o Fim do mundo está ou não próximo. E já aprendi, já descobri coisas que acreditava piamente e que afinal não correspondem à verdade – sabiam, por exemplo, que a ideia que temos de que na idade média as pessoas cultas julgavam que a terra era plana está errada? Que tudo se deve a um jornalista e romancista chamado Washington Irving, que ficcionou a história de Colombo e que, depois, ao ser sistematicamente citado, a sua ficção foi tomada por realidade? É que afinal, aquela história de que Colombo teve de se defender de padres e inquisidores, que esteve para ser considerado herético por afirmar que a terra era uma esfera, que depois mostrou aos sábios incultos que afinal tinha razão…tudo isto parece ser falso. Mais que isso, Colombo enganou-se nos cálculos e se por acaso não se tivesse deparado com a América, a sua expedição teria sido um rotundo fracasso.
Recomendo vivamente estes três livros de Jorge Buescu. Se os tivesse lido no nono ano, tinha prestado mais atenção nas aulas de matemática.
Ahh! Já me esquecia: o algarismo ao lado do número de bilhete de identidade é um dígito de controle, para evitar aquelas situações em que alguém se engana a escrever tantos números e acaba por pôr um número de BI errado nalgum sítio. E sabem que mais? Não funciona em todos os casos! Há um erro matemático nos dígitos de controle de BI de muita gente! Se quiserem saber porquê, leiam o livro.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:40 0 comentários
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Qualquer pessoa pode ser jornalista?
É o que diz Jeff Jarvis, professor de jornalismo norte-americano. Não sou jornalista, (embora tenha passado pela profissão) e a minha especialidade é outra. Mas devo dizer que discordo. É verdade que qualquer pessoa pode ser jornalista, mas para isso precisa de aprender a sê-lo.
É um tema agora muito em voga: os cidadãos que “fazem” jornalismo, principalmente através dos seus weblogs. Será que se podem considerar jornalistas? Acho que não. Será que fazem notícias? Julgo que não.
Na minha opinião, está-se aqui a confundir o acesso a meios de comunicação (que podem ser de massas) com o ser jornalista. Por exemplo: Pacheco Pereira tem acesso a órgãos de comunicação social mas não é jornalista. Eu até posso ser dono de um jornal, mas isso não me torna jornalista. Escrevo estas crónicas no Portugal Diário, mas não sou jornalista.
Tive a sorte de, no passado, ter trabalhado num jornal regional diário. Na altura, começavam a surgir os primeiros licenciados em Comunicação Social, que eram (e são) apenas isso: Licenciados em Comunicação Social. Só depois, ao entrar num jornal, ao passar pela tarimba da redacção, ao adquirir a carteira profissional de jornalista, aí sim se podem considerar jornalistas.
Um cidadão pode muito bem escrever as suas “notícias” no seu blog. Para ser considerado jornalista, terá, no mínimo, de saber os instrumentos da escrita jornalística, de saber construir um texto noticioso, de saber aquelas regras básicas como os cinco Ws que deverão estar presentes numa noticia - já não me recordo bem, mas acho que eram: What? (o quê); Who (quem); When (quando); Why (porquê); Where (onde?). Para além disso, deverá ter o cuidado de confirmar as informações em mais de uma fonte (se possível), terá de ouvir os dois lados da questão, terá de ser o mais imparcial possível.
Parece simples. Não é. Isto são coisas que têm de se aprender na teoria, são instrumentos e práticas que devem ser treinadas em contexto, com acompanhamento de um jornalista experiente. Se algum jornalista me ler, de certeza que se lembra de ver os seus textos reescritos e corrigidos pelo chefe de redacção de forma a respeitar estas regras básicas. Para além destas questões, há que ter em conta o aspecto formal que só a certificação profissional (carteira de jornalista) pode dar. Com essa certificação, vem a responsabilização. Porque um jornalista digno desse nome deve ser responsável pelo que escreve e, mais que isso, responde perante os seus pares no caso de incumprimento (e isto para além de ser legalmente responsável).
Temos então dois critérios essenciais para se ser jornalista: dominar os instrumentos da profissão e as diversas técnicas (uma entrevista é diferente de uma reportagem que é diferente de uma notícia e todas elas têm regras próprias e formas de serem feitas) e a certificação profissional.
Nos blogs onde o “cidadão jornalista” escreve percebe-se que muitas vezes um ou os dois critérios que defendo estão ausentes: Ou não há certificação ou, mais visível e fácil de detectar, nos textos percebe-se a falta de formação nas técnicas jornalísticas, nomeadamente no que diz respeito a ouvir todas as partes, mau tratamento das fontes (quando existem) e, muito comum, a mistura entre facto e opinião, que leva muitas vezes a não se perceber o que é o quê.
Isto não invalida que o “cidadão jornalista” possa informar. Aliás, tal é um direito constitucionalmente garantido. Isso não o faz um jornalista. Afinal, se eu decidir fazer informação sobre HIV aqui neste espaço, não estou a fazer jornalismo embora esteja a informar.
Como consumidor de notícias, prefiro de longe ler a notícia que um jornalista escreveu sobre um acidente na minha rua, do que ler a informação sobre esse acidente que o meu vizinho diligentemente escreveu no seu blog. À priori, o jornalista falou com os intervenientes, complementou informação noutras fontes (PSP, hospital, etc), foi o mais objectivo possível. Teve formação e tem experiência para isso.
O meu vizinho não.
Victor Silva
Publicada porVictor Silva à(s) 23:38 0 comentários
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Robbie Williams, Aborto e Psicólogos
Robbie Williams decidiu internar-se para tratar uma depressão, que parece envolver também uma dependência de medicamentos. Discute-se se o aconselhamento a quem pensa fazer um aborto será obrigatório ou não. Psicólogos. Que terão estas 3 coisas a ver consigo?
Ninguém está livre de vir a ter problemas psicológicos. O cantor Robbie Williams, cheio de sucesso, de dinheiro, de milhares e milhares de pessoas em adoração noite atrás de noite em cada concerto, terá desenvolvido uma depressão após o abuso de cocaína e ecstasy e agora estará dependente de medicamentos. Serão o abuso de drogas e de medicação as únicas razões para entrar em depressão ou será que o contraste entre ser adorado por milhões quando se acha que não se presta para nada (como o próprio já referiu) estará a contribuir para o seu sofrimento? Só ele o poderá descobrir. Tem dinheiro suficiente para se internar numa clínica e ter acesso aos melhores cuidados de saúde mental. Nem gosto da música dele, mas espero que se recupere.
Discute-se se as pessoas que pretendam fazer um aborto deverão ou não ser obrigadas a ter aconselhamento. Deverá o estado português apenas pagar o aconselhamento prévio, caso se opte por essa obrigação (custa-me aceitar a obrigação de aconselhamento, mas acho que este deverá estar disponível para quem o deseje) ou será que deve pagar também um acompanhamento que ajude a mulher (e a família, se for caso disso) a lidar melhor com uma situação que é, embora em graus diferentes, sempre traumática?
Você. Você divorcia-se. Morre alguém da sua família. Tem problemas com o seu conjugue. Tem uma depressão. Tem ansiedade. Acontece-lhe uma destas coisas, que escolhi de uma lista infindável de situações que podem causar sofrimento psicológico, desespero. Não tem dinheiro para pagar um psicólogo particular. Ou então os custos são muito elevados (a psicoterapia, e falo enquanto psicólogo, é uma coisa cara). Será que, se desejar, se achar que falar com um especialista do funcionamento humano o pode ajudar, poderá recorrer a algum serviço público?
Existem psicólogos em alguns centros de saúde, poucos e geralmente com listas infindáveis de espera. Em hospitais, idem. Nas escolas, menos ainda, por vezes dando apoio a diversas escolas e com tantas funções (orientação vocacional, apoio a professores, etc, etc) que às vezes, mesmo querendo, não há possibilidade de atender todas as crianças ou adolescentes necessitadas de apoio psicológico.
Eu sou suspeito. Afinal, sou psicólogo. Mas na nossa sociedade moderna, com as suas exigências constantes e quando a OMS aponta as perturbações psicológicas, e entre estas, a depressão, como um dos maiores problemas de saúde actuais, custa-me saber que existem imensas pessoas (mais do que você pensa) que poderiam beneficiar de apoio psicológico mas pura e simplesmente não têm acesso a ele.
A questão dos custos da contratação de psicólogos é importante (afinal de contas, são ordenados que se pagam). Mas nada pode pagar o bem estar de uma pessoa em sofrimento. Que às vezes pensa até em suícidio como a única solução. E resta saber se estes custos de investimento não compensarão os seus benefícios. Menos baixas psiquiátricas. Aumento da produtividade (quando se está triste, consegue-se trabalhar?). Melhoria do desempenho escolar. Etc. Etc.
Não sou daqueles que considera que os psicólogos são a panaceia para tudo, longe disso. Enquanto profissional, já tive os meus casos de sucesso e os meus casos de insucesso. Afinal, lidamos com a natureza humana, talvez das coisas mais complexas deste universo.
Mas de uma coisa tenho a certeza: O Robbie Williams, a pessoa que vai abortar ou abortou, você que pode vir a estar em sofrimento psicólogico, deveria ter acesso gratuito (ou comparticipado pelo estado ou pelas seguradoras) quando necessitado do apoio destes profissionais.
Publicada porVictor Silva à(s) 23:31 1 comentários
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