Pais biológicos, Pais adoptivos e uma criança

Tem sido a novela da vida real. Toda a gente conhece a história: Um pai biológico que quer uma filha. Pais adoptivos que querem uma filha. Agora uma mãe que quer uma filha mas para entregar aos pais adoptivos. Um pai preso, uma mãe em fuga, uma criança em sofrimento. Tribunais lentos. Uma grande confusão.

Se estivéssemos nos Estado Unidos, já alguma companhia cinematográfica tinha assegurado os direitos para o filme. Daqueles telefilmes a puxar ao sentimento. A história nem inventada! Toda a gente a conhece, não vou sequer por aí. Interessa-me antes reflectir sobre dois aspectos: As possíveis consequências para a criança. Por outro lado, as motivações de todos estes pais e mães.
Puxem pela imaginação e coloquem-se neste papel: têm cinco anos, têm um pai e uma mãe que, até prova em contrário, gosta de vocês e vocês deles. Afinal, são os vossos pais. De repente (ou aos bocadinhos, não interessa), o vosso pai é preso, têm de fugir com a vossa mãe porque um senhor quer ser vosso pai. Um senhor que viram uma vez. Não sabem se o vosso pai vai voltar. Não sabem se vão voltar à vossa casa, aos vossos amigos, à vossa escola. Não sabem se vão ter de ficar com um pai novo, que não conhecem. Como se sentiriam?
Outro exercício de imaginação: Imaginem que têm uma filha à vossa guarda há cinco anos. Criaram uma relação com ela. Viram-na crescer. Levaram-na ao infantário. Festejaram aniversários. É a vossa filha querida. Que fariam se fossem obrigados a entregá-la ao pai biológico?
Um último exercício: Tiveram uma relação fugaz com alguém. Esse alguém fica grávido(a) mas vocês não ficam convencidos que a criança seja vossa. Tempos depois fazem uns testes e descobrem que a criança é sangue do vosso sangue. Mas está com pais adoptivos. Que faziam?
Dado este cenário – pelo menos é o que tenho compreendido – e estando de fora, a primeira reacção é colocar-se do lado dos pais adoptivos, por todas as razões e mais alguma. É humano. Aquelas pessoas parecem ter acolhido e amado uma criança enjeitada, que ninguém queria e agora todos querem. Mas não terá também direito – e ao que parece a lei assim o diz – o pai biológico ficar com a criança? Não acreditou, depois confirmou e agora quer criar a sua filha. Também parece legitimo.
Mas falta-me aqui qualquer coisa. Que amor tão grande por uma criança faz uma pessoa querer retirá-la a quem a criou? Que motivações estão por detrás desta posição? Podemos especular muito, que não teremos uma resposta que nos satisfaça. O lado dos pais adoptivos parece ser mais compreensível.
Mas para quê debruçarmo-nos sobre o lado do pai biológico, o lado dos pais adoptivos, se esquecermos quem realmente importa nesta história toda? E aquela criança? É bom ser desejado por muita gente, mas aposto que a criança preferia não ser desejada por tanta gente. Preocupa-me muito menos os direitos do pai biológico, a dor dos pais adoptivos do que as consequências para a criança. E esta criança está já a sofrer imenso. Devia estar a brincar às escondidas, não andar escondida. Devia estar com quem gosta dela e ela conhece, não na dúvida de mudar de pai como quem muda de camisa.
Pai que é pai e mãe que é mãe preocupa-se com o bem estar dos filhos. Não os vê como propriedade. O pai que abdicar dos seus direitos, que optar por sofrer ele para que a filha não sofra mais, é o pai que merece ficar com a criança. Já muito mal se fez a esta pessoa, com tão pouca idade. Seja qual for a solução, antevejo um processo longo de recuperação. Resta saber apenas a dimensão dos danos. Este caso – como muitos outros – exige reflexão acerca do funcionamento de algumas instituições. Acerca da lentidão na decisão de coisas que podem prejudicar um cidadão, talvez irreversivelmente.
Mas a mim, como psicólogo e como pessoa, fico com a mesma questão: Que motivações estão por detrás da actuação destas 4 pessoas ? Não digo que sejam positivas ou negativas. Gostava apenas de conhecê-las. São essas motivações que levam a que um inocente esteja certamente em sofrimento.

Publicada porVictor Silva à(s) 23:58  

0 comentários:

Enviar um comentário

Blogger Template by Blogcrowds

 
Technorati Profileblogaqui? Directory of Psychology Blogs Blog Directory
Who links to me?