Queima das Fitas

Primeiras semanas de Maio e tal qual ritual de passagem ancestral, as ruas enchem-se de capas e batinas. E, como em todos os Maios por esta altura, reparo que há coisas que não mudam: este momento de festa é também momento de nostalgia para milhares de pessoas. Os Universitários à beira de terminar o curso e os que por lá já andaram.

Faz parte da minha formação enquanto psicólogo o considerar que as pessoas se desenvolvem até ao final das suas vidas, num continuo revisitar do passado e de estados desenvolvimentais passados que nos permitem crescer e olhar para o que passou com olhos diferentes. Com os olhos de hoje que vêm o passado. Com pensamentos que viajam até ao passado e regressam ao presente, construindo uma narrativa, uma história pessoal que nos faz o que somos hoje e nos permite construir o que seremos amanhã.
Para quem como eu participou activamente nas Tradições Académicas universitárias, certamente as primeiras semanas de Maio tornam-se quase inevitavelmente momento de nostalgia.
Esta é uma viagem pelo passado. Alguns de vos farão viagens parecidas ao ler a minha. Outros talvez percebam melhor porque é que pessoas como eu ficam com os olhos a brilhar quando vêm alguém de capa e batina a gritar um “É-Fé-Re-à”
Nestes dias, lembro-me quase como se fosse hoje, do que senti quando vim para a Faculdade. O sair de casa, o ir à descoberta de um sítio diferente, o ter de desenrascar-se. Aquele misto de medo e excitação. Depois, vêm à memoria as brincadeiras de quando era caloiro, os colegas mais velhos que conheci, que “gozaram” comigo, mas também me explicaram, onde ficava a Rua de Cedofeita ou onde se apanhava o 78 para chegar a casa. Coisa tão simples hoje. Extremamente complexa em 1993. E as recordações vão-se encadeando, vou-me rindo sozinho quando me lembro desta ou daquela situação, vou também ficando com o coração apertado ao me recordar de outros acontecimentos. O primeiro dia em que usei o traje e a dificuldade em dobrar a capa como devia ser. Os jantares de faculdade. Os amigos, os fados cantados pelas ruas do Porto “…vem pela rua a cantar o boémio trovador…”, aquele dia em que fui convidado por um quartanista para tomar um café, o receio que tinha dele, a amizade (que se mantém até hoje) que foi construída a partir daí. A primeira vez que praxei. A última vez que praxei. As tertúlias acerca da praxe com colegas de outras faculdades, que ultrapassavam em muito as tradições, regras e coisas que tal para se tornarem discussões acerca da vida, do amor, da literatura. As pessoas que se foi conhecendo aqui e ali, que se encontravam regularmente, sem necessidade de telemóveis e e-mails, no “Piolho”, no “Encontro”. As vizinhas do andar de cima daquele apartamento em Miguel Bombarda, que em pouco tempo se tornaram amigas próximas…
As festas nos bares da Ribeira. Quem não se lembra do célebre Albérico do “Ribeirinha” e do seu grito “tenha uma noite linda” que indiciava quase sempre uma bebida à borla… As festas de Ciências no Number One…Os apontamentos emprestados, as noitadas a “marrar”, os exames, os trabalhos de grupo (coisa difícil para um individualista como eu).
Os amores que foram, os amores que não chegaram a ser. Os amores que foram, podiam ter sido mais e terminaram…Um deles em Maio.
As queimas no Palácio de Cristal, uma na Quinta do Covelo – ver lá os Sétima Legião e os Mão Morta – outras no Parque da Cidade – Os Young Gods a tocar à chuva, num concerto memorável, os Mission a tocarem “Butterfly on a Wheel” e eu a olhar para o lado, para o meu amor da altura, a pensar “tenho de lhe dizer”…e não conseguir.
Os amigos que se fez, a camaradagem que se construiu.
Uma cartola cor de laranja que anunciou o fim.
Hoje sou psicólogo, eles médicos, engenheiros, professores. Sou o que sou porque vivi tudo isto e mais. Seria diferente se tal não tivesse acontecido. Conjunto de instantes que nos fazem o que somos.
E aquela melodia que não sai da cabeça nestes dias: “quero ficar sempre estudante, para eternizar a ilusão de um instante…”
Ficaram os instantes. Os amigos. E muita, muita saudade.

Publicada porVictor Silva à(s) 23:57  

1 comentários:

RJ disse... 1 de setembro de 2010 às 21:46  

Oi Victor,

O que me foste lembrar... Que grande concerto de Young Gods na Queima das Fitas do Porto! A apanhar chuva e no meio da lama, mas valeu a pena.

Por acaso lembras-te em que ano foi? E em que dia?

Cumprimentos

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