Qualquer pessoa pode ser jornalista?

É o que diz Jeff Jarvis, professor de jornalismo norte-americano. Não sou jornalista, (embora tenha passado pela profissão) e a minha especialidade é outra. Mas devo dizer que discordo. É verdade que qualquer pessoa pode ser jornalista, mas para isso precisa de aprender a sê-lo.

É um tema agora muito em voga: os cidadãos que “fazem” jornalismo, principalmente através dos seus weblogs. Será que se podem considerar jornalistas? Acho que não. Será que fazem notícias? Julgo que não.
Na minha opinião, está-se aqui a confundir o acesso a meios de comunicação (que podem ser de massas) com o ser jornalista. Por exemplo: Pacheco Pereira tem acesso a órgãos de comunicação social mas não é jornalista. Eu até posso ser dono de um jornal, mas isso não me torna jornalista. Escrevo estas crónicas no Portugal Diário, mas não sou jornalista.
Tive a sorte de, no passado, ter trabalhado num jornal regional diário. Na altura, começavam a surgir os primeiros licenciados em Comunicação Social, que eram (e são) apenas isso: Licenciados em Comunicação Social. Só depois, ao entrar num jornal, ao passar pela tarimba da redacção, ao adquirir a carteira profissional de jornalista, aí sim se podem considerar jornalistas.
Um cidadão pode muito bem escrever as suas “notícias” no seu blog. Para ser considerado jornalista, terá, no mínimo, de saber os instrumentos da escrita jornalística, de saber construir um texto noticioso, de saber aquelas regras básicas como os cinco Ws que deverão estar presentes numa noticia - já não me recordo bem, mas acho que eram: What? (o quê); Who (quem); When (quando); Why (porquê); Where (onde?). Para além disso, deverá ter o cuidado de confirmar as informações em mais de uma fonte (se possível), terá de ouvir os dois lados da questão, terá de ser o mais imparcial possível.
Parece simples. Não é. Isto são coisas que têm de se aprender na teoria, são instrumentos e práticas que devem ser treinadas em contexto, com acompanhamento de um jornalista experiente. Se algum jornalista me ler, de certeza que se lembra de ver os seus textos reescritos e corrigidos pelo chefe de redacção de forma a respeitar estas regras básicas. Para além destas questões, há que ter em conta o aspecto formal que só a certificação profissional (carteira de jornalista) pode dar. Com essa certificação, vem a responsabilização. Porque um jornalista digno desse nome deve ser responsável pelo que escreve e, mais que isso, responde perante os seus pares no caso de incumprimento (e isto para além de ser legalmente responsável).
Temos então dois critérios essenciais para se ser jornalista: dominar os instrumentos da profissão e as diversas técnicas (uma entrevista é diferente de uma reportagem que é diferente de uma notícia e todas elas têm regras próprias e formas de serem feitas) e a certificação profissional.
Nos blogs onde o “cidadão jornalista” escreve percebe-se que muitas vezes um ou os dois critérios que defendo estão ausentes: Ou não há certificação ou, mais visível e fácil de detectar, nos textos percebe-se a falta de formação nas técnicas jornalísticas, nomeadamente no que diz respeito a ouvir todas as partes, mau tratamento das fontes (quando existem) e, muito comum, a mistura entre facto e opinião, que leva muitas vezes a não se perceber o que é o quê.
Isto não invalida que o “cidadão jornalista” possa informar. Aliás, tal é um direito constitucionalmente garantido. Isso não o faz um jornalista. Afinal, se eu decidir fazer informação sobre HIV aqui neste espaço, não estou a fazer jornalismo embora esteja a informar.
Como consumidor de notícias, prefiro de longe ler a notícia que um jornalista escreveu sobre um acidente na minha rua, do que ler a informação sobre esse acidente que o meu vizinho diligentemente escreveu no seu blog. À priori, o jornalista falou com os intervenientes, complementou informação noutras fontes (PSP, hospital, etc), foi o mais objectivo possível. Teve formação e tem experiência para isso.
O meu vizinho não.


Victor Silva

Publicada porVictor Silva à(s) 23:38  

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